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AMOR PLENO/Crítica – conhece-te a ti mesmo e ao divino

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Terrence Malick retoma, em Amor Pleno, as temáticas que envolvem a existência humana em uma obra tão fascinante em suas inquietações religiosas e filosóficas quanto lenta e difícil para o grande público

Olga Kurilenko em AMOR PLENO (2013), de Terrence Malick

Olga Kurilenko em AMOR PLENO (2013), de Terrence Malick: a plenitude da vida na aceitação da espiritualidade

Em A Árvore da Vida, Terrence Malick busca uma compreensão do homem a partir de uma origem cósmica. Em Amor Pleno, o cinema vai ainda mais adiante ao buscar uma compreensão desse indivíduo a partir de uma origem divina, ou seja, mais diretamente, Deus.

Basicamente, Amor Pleno é uma extensão das temáticas de A Árvore da Vida. Sai o estadunidense Jack (Sean Penn), o homem apanhado em um turbilhão existencial a partir da morte do filho e entra a francesa Marina (a russa Olga Kurilenko), que vive um tortuoso relacionamento com Neil (Ben Affleck). Sai o drama de uma família destroçada em busca de entendimento do sentido das provações e entram quatro pessoas em busca do entendimento de si mesmas. E para deixar isso evidente, Malick despreza os diálogos convencionais e desenvolve Amor Pleno com os 4 personagens narrando as suas inquietações e visões da existência.

Rachel McAdams e Ben Affleck em AMOR PLENO (2013): amor e felicidade na comunhão com a natureza

Rachel McAdams e Ben Affleck em AMOR PLENO (2013): amor e felicidade na comunhão com a natureza

O estadunidense Neil, em viagem à França, apaixona-se por Marina. O início é de plena felicidade e sexualidade. Malick extravasa a vivência do amor e a felicidade em quase uma hora de narrativa em imagens de rara beleza – captadas pela belíssima fotografia de Emmanuel Lubezki – que ressaltam a paixão inicial dos relacionamentos envolvidos por um encantamento de afirmações de crença nos amados e no amor. No entanto, paulatinamente, o cineasta adentra ao desgaste e os primeiros dissabores do relacionamento, especialmente em Marina, a qual inicia uma forçada revisão de seus conceitos de amor e felicidade. E isso a faz mergulhar em um redemoinho de incertezas sobre as possibilidades de plenitude da vida.

Essa revisão é proporcionada por um tema que se manifesta entre todos os personagens: a incomunicabilidade. Principal tema da angústia humana explorada pelo cineasta italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007), a incomunicabilidade é expressada através dos trechos narrativos pelos personagens e quando eles passam uns pelos outros sem olhá-los ou falar.

Duas imagens da incomunicabilidade: Olga Kurilenko e Ben Affleck (acima) e Kurilenko e Rachel McAdams (abaixo)

Duas imagens da incomunicabilidade: Olga Kurilenko e Ben Affleck (acima) e Kurilenko e Rachel McAdams (abaixo)

A vida

Outra mudança efetuada em Amor Pleno em relação a A Árvore da Vida consiste na troca da morte pela vida. O fim da existência é o tema central que leva à perplexidade e os questionamentos sobre a existência nos personagens de A Árvore da Vida. Em Amor Pleno, a morte é tema passageiro, tendo uma breve referência quando a outra personagem feminina, Jane (Rachel McAdams), afirma ter perdido o filho quando este ainda era pequeno.

Imagens ressaltam a necessária relação de amor também com a natureza

Imagens ressaltam a necessária relação de amor também com a natureza

Malick também formula, em Amor Pleno, uma compreensão do sentido de nossa existência em um planeta com o qual precisamos nos relacionar diretamente. São muitos os momentos nos quais Neil e Marina estão em convivência com os animais – vacas, pássaros e bisões – e a natureza dos campos verdejantes, lagoas, rios e o mar. Elas tocam nas plantas, andam à beira mar sentindo a terra e a água, contemplam as imagens profundas e belas do por e o nascer do sol, do céu e suas centelhas de estrelas, sentem o ar ao respirar fundo e o vento em uma corrida de braços abertos. É o sentir da existência.

O cineasta também fornece a percepção de que este planeta no qual moramos precisa ser compreendido como ambiente de dor e o sofrimento, não originadas por Deus, mas por nós próprios. Daí que Malick não se desgruda da concepção do homem como uma criação divina – e essa afirmação está presente na figura do padre Quintana, personagem emblemático vivido pelo espanhol Javier Bardem, o qual se posta como o intermediário entre os homens e Deus.

Javier Bardem interpreta um padre que se coloca como intermediário entre o homem e Deus

Javier Bardem interpreta um padre que se coloca como intermediário entre o homem e Deus

O perdão

É o padre pede a Deus que o oriente para falar o certo aos seus semelhantes. E ao ver o homem como um fracasso e criador de ruínas, pede que conceda o caminho para que ele encontre a si mesmo. E no conhece-te a ti mesmo Malick trata do perdão. A cena em que Quintana oferece a hóstia a Marina é a concessão do perdão à fragilidade e as fraquezas humanas.

Mas, ela clama pela compreensão de Deus aos homens. Para onde me conduzes?, pergunta o padre. E clama: Ensina-me a te procurar. E me acompanhes, esteja em mim, no meu coração. Inunda as nossas almas com o teu espírito e vida, tão completamente que as nossas vidas apenas poderão ser um reflexo da tua e brilhe através de nós. Ensina-nos a te procurar, pois fomos feitos para te ver. Uma súplica pela divindade. A essa súplica de piedade pela humanidade Malick a realça com a visita do padre a diversas pessoas idosas e doentes, com vários tipos de doenças, em estados terminais e em despedida da vida. Uma compreensão da efemeridade do homem, cuja existência é, assim, passageira, e que o seu sentido é a compreensão e a prática do bem. Essa colocação está nas duas vezes em que há a citação da Epístola dos Romanos – a qual traria a revelação de que todas as coisas contribuem para o bem.

A busca de Deus  simbolizada na cena em que o padre toca o vidral com o símbolo da cruz

A busca de Deus simbolizada na cena em que o padre toca a vidraça com o símbolo da cruz

Mas, para isso, formula ainda o cineasta, há a necessidade da superação pessoal dos monstros internos (remetido ao personagem do assassino que diz não ter controle sobre a raiva que sente e ao qual o padre diz da necessidade dele controlar os impulsos e essa força). Assim, Malick procura não deixar espaço vazio para que o espectador pense em psicologia.

Marina, após muito sofrimento e inúmeras reflexões, finalmente diz ter encontrado a si mesma. É no momento em que navega com Neil em barco pelo braço de um rio. Encontro duas mulheres em mim, revela. E as descreve: Uma, cheia de amor por você – referindo-se ao marido o qual ela está abandonando -, a outra, puxa-me em direção à Terra. A si mesma e a Terra. O que ela é e onde está.

Marina (Olga Kurtilenko): busca e encontro de si mesma na certeza da conexão entre todas as coisas

Marina (Olga Kurtilenko): busca e encontro de si mesma na certeza da conexão entre todas as coisas

E Malick expressa essa descoberta na sequência adiante, quando Marina está no topo de um prédio, contemplando o céu e o trafegar de um bando de pássaros. E ao mover-se de um lado para outro manifesta a compreensão da Terra e da existência humana. Em outra cena, em um entardecer campestre, ela levanta aos mãos como que saudando o céu e sua beleza divina. E é justamente isso o que Malick traz como afirmação.

Em Amor Pleno, o entendimento do sentido do mundo e do homem reside na consciência do encontrar a si próprio. E essa consciência é o prêmio contido no sentimento de liberdade.

Terrence Malick

Terrence Malick

O que vai dificultar para muita gente a compreensão da obra de Malick em sua proposta é, além de se deparar com narrativa lenta e acronológica, a obrigatória inclusão de uma ordem divina como criadora do homem. Para Malick, não fomos filhos do aleatório, acaso ou da química. Somos criações divinas e imortais (em A Árvore da Vida ele finaliza os seus personagens na reencarnação) soltas neste planeta chamado Terra para descobrirem que, para obterem a plenitude da existência, torna-se necessário aprender a amar. Mas, o amor sem concessões: amar a si mesmo, amar ao próximo e tudo o que forma este planeta – igualmente obra do divino. Aí, sim, aprende a viver. E, conhecendo o amor, abre-se a comunicação plena com o divino. O amor pleno.

No entanto, essa sublime obra de Malick não é de fácil comunicação com o grande público, especialmente para aquele acostumado à linguagem corrida e linear dos filmes de Hollywood, os quais não exigem qualquer manifestação do pensar por  já explicitarem todas as informações. Portanto, se você foi ver A Árvore da Vida e abandonou a sessão, não arrisque. Mas, se você amou a criação de Malick, com certeza vai ficar inquieto, leve e fascinado ao assistir a Amor Pleno.

Há outro detalhe: sem essa convicção religiosa expressada por Malick não há interpretação plausível para Amor Pleno. Não há outra maneira, forma ou fórmula para analisá-lo.

Por isso, prepare-se, pois você se verá diante de duas opções diante de Amor Pleno: aceitar ou largar. Amar ou odiar.

Ficha técnica 

Amor Pleno
To the Wonder
EUA, 2013
Diretor: Terrence Malick
Elenco: Olga Kurilenko (Marina), Ben Afffleck (Neil), Rachel McAdams (Jane) e Javier Bardem (Padre Quintana).
Paris Filmes.
113 minutos. 14 anos

Veja o trailer de Amor Pleno.

Clique aqui para assistir o vídeo inserido.

 

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